Wednesday, October 11, 2017

Uma carta de amor dentro de uma garrafa em Cuba - A Portuguese lovestory - Only lovers left alive


Cuba




Por vezes, enquanto algo vai ardendo dentro de mim, procuro o sabor das palavras em imagens encefálicas mas que me vêm directamente do coração.
 Estando perdido algures em Cuba, imagino uma vilazinha no Alentejo num país chamado Portugal e vou olhando para um bar onde vejo um casal a dançar um mero tango de uma forma sensual e eu enquanto os observo vou bebendo uma cerveja e fumando um cigarro, sem sequer eu me aperceber, três anjos falam-me aos ouvidos: 
- Queres dançar comigo em Buenos Aires? 
- Procuras uma mera garrafa em Cuba? 
- Diz-me o que escreveste e dir-te-ei quem és.
 Eu continuo a olhar para as ruas de Cuba, sujas, cheias de lixo e vejo droga e prostituição em todo o lado e muitos me abordam numa sequência de assédio para fugir da minha missão de encontrar a tal carta.
 Olho para o espelho e vejo os meus olhos cansados e o cabelo que cresce enquanto procuro encontrar uma tesoura para o cortar eu mesmo, a minha barba também está enorme e somente com uma faca de cozinha e um pouco de sabão a vou tentando desfazer.
 Está um calor infernal e tenho meramente um dólar para me alimentar e beber e não sei o que fazer ou a quem recorrer.
 Tu falas para mim através do teu coração: 
- Vives na ilusão de uma carta perdida numa garrafa.
- Vives iludido com meras palavras.
- Continuas perdido entre sonhos e pesadelos.
Eu imagino o teu rosto na minha mente, enquanto vou pensando para mim mesmo em voz alta: 
- Que faço eu aqui perseguido por lunáticos? 
- Porque é que estas ruas emanam um cheiro a urina, sémen, sangue e droga? 
- Porque é que vejo ratazanas maiores que gatos a cada esquina? 
 Vou-me deslocando para uma mera garagem e quando abro a porta vislumbro imensas garrafas de cerveja vazias com algumas frases escritas dentro delas: 
 - Já ninguém escreve palavras.
 - Já ninguém dança 
 - Já ninguém ama.
 - A tua perseguição é a tua ilusão.
 - O teu coração já está sem razão.
 - A tua dor causa gritos silenciosos.
 - O amor é um sentimento perdido.
Eu fico meio perdido a ler estas frases, a minha camisola e as minhas mãos estão completamente sujas de estar a mexer nas garrafas de uma forma completamente aleatória e vou partindo cada uma das garrafas com os meus punhos cerrados, enquanto noto sangue a esvair dos mesmos.
Vejo insectos em todo o lado, baratas gigantes, centopeias, gafanhotos, aranhas que vão percorrendo as garrafas enquanto tento decifrar a carta que procuro e que se assemelha a um mero puzzle a ser montado.
 De repente um homem grita-me: 
- QUERES VER O BARCELONA - REAL MADRID? 
 Eu aceno-lhe com a mão que quero e vou para o seu bar beber uma cerveja, ele cobra-me pela mesma 20 cêntimos, ficando eu com uns meros 80 cêntimos, vou olhando para o ecran e vejo um relvado e 22 pessoas a correrem atrás de uma bola e um treinador que escuto na minha cabeça: 
- O melhor ataque é a defesa.
- Quando te atacam, tens que contra atacar rapidamente em segundos.
- Lembraste quando falei contigo na tua cidade natal? 
O dono do bar vai gritando a cada golo que marca o Barcelona e eu permaneço estático com o coração a gritar, enquanto passam pássaros no ar que me vão dizendo algo:
- Procura a GARRAFA.
- As palavras estão perdidas no tempo.
- Olha para o rótulo das garrafas.
- Nota o seu prazo de validade.
 Eu continuo no bar estático e o Barcelona está a ganhar 3 a Zero e o jogo está no intervalo, farto de estar no bar desloco-me para uma rua e vejo uma bela rapariga que me diz: 
- Tens medo do Satanás? 
- Queres dançar um tango comigo? 
Eu aceno-lhe com a cabeça que sim, sem sequer mencionar uma palavra e perco-me com ela numa dança sensual.
 No frenesim do tango e depois de ela me ter oferecido várias garrafas de vinho, fico perdido e acordo num quarto cheio de traças e pulgas com a rapariga a vestir-se e não sei onde estou.
 Visto as minhas calças e quando procuro nos meus bolsos, meras caixinhas que tinha como amuletos, noto que elas já não existem senão na minha mente.
 Tu continuas a dizer-me: 
- Porque é que escreves cartas de amor? 
- Será que não sabes que o calor derrete corpos numa fusão constante? 
- Será que não sabes que os fluidos secam nesse país tropical? 
Eu não sei o que te dizer e vou novamente para o armazém onde estão todas as garrafas á procura da carta e vou partindo-as todas somente com os meus punhos enquanto não vejo a mesma, mas sim frases soltas: 
- Procura um PORTO de abrigo.
- Busca o teu coração.
- A tua alma é mais do que razão.
Olho para o meu corpo esquelético e penso para mim mesmo: 
- Onde estão os meus sonhos? 
- Onde está a minha gata? 
- Onde está o meu equilíbrio? 
 Tu continuas a dizer-me: 
- Olha para mim e escuta os anjos que te rodeiam.
- Ama a vida e GRITA.
- Nunca desistas.
 Eu continuo a partir garrafas com os punhos literalmente ensanguentados e a minha T-shirt completamente manchada de sangue e encontro a carta numa delas e guardo-a no bolso das minhas calças, enquanto ratazanas gigantes tentam me atacar, vou fugindo do armazém em direcção ao bar e noto que o jogo está ainda a decorrer e o Barcelona continua a ganhar mas só por 3 a 2 e ainda faltam 30 minutos para o seu fim.
 O treinador do Real Madrid grita: 
- VAMOS A ELES EM CONTRA ATAQUE.
 Eu olho para a carta e vou-te dizendo: 
- Já ninguém escreve cartas de amor em Cuba.
- Já ninguém escreve cartas de amor.
- Já ninguém escreve.

E olho para uma parede na qual está escrito isto: 
- Continuas a arder, descansa.

Continua

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